Sou uma telemaníaca dissimulada que em plena era da tela plana, da transmissão em estéreo e do controle remoto multifunção, mantenho o aparelho Telefunken/76 que ganhei do meu pai após vencer uma aposta feita com ele. As visitas que chegam aqui em casa imaginam que para ter uma relíquia destas não devo ser muito apegada ao veículo. Enganam-se.
Adoro televisão, e a minha, com sua caixa de madeira, a tela convexa, os botões deslizantes (daqueles que enchem-se de pó nas entranhas) e um seletor de canais onomatopéico... me seduz ainda mais. Quando eventualmente viro o seletor e escuto o familiar "traaak", supero todos problemas de contraste e brilho.
A boa e velha máquina desperta em meus amigos um interesse antropológico e já recebi ótimas ofertas por ela, nenhuma suficiente para me fazer trocá-la. Mesmo televisão sendo hoje um produto tão barato, poderia acoplar vídeo e NET em algo mais moderno, resisto.
Faço as contas e percebo que tenho outras prioridades. O recém comprado e espetacular aparelho que ligado à eletricidade cozinha seis ovos ao mesmo tempo, por exemplo. Utilíssimo.
E assim sigo a postergar a substituição da antológica TV. Claro, é uma TV com história. Acompanhou "Vale Tudo", derrotas e vitórias em Copas, 21 entregas do Oscar e tudo o mais quanto lhe coube propagar em sua longa vida.
Infelizmente nos últimos tempos venho percebendo nela uma certa tristeza. De um limite máximo de 13 canais VHS, nunca preenchido, saltou para mais de cinqüenta com o advento do cabo. Mesmo assim não sinto na antiga companheira qualquer contentamento adicional. Primeiro porque o já mencionado seletor agora repousa estático no canal 3. O intruso controle remoto do vídeo e da NET fazem todo o serviço, obrigando-a a programas terríveis, inclusive.
Cansa-se a pobre de passear por tantos canais sem encontrar um porto seguro. Parece não gostar do que lhe oferecem portugueses, italianos, franceses, árabes, ingleses, canadenses, alemães e tantos outros. Enjoou-se das descobertas de Vida Selvagem, das viagens monótonas do Travel e, sobretudo, teme que através do Shoptime chegue finalmente a hora de sua aposentadoria.
Tento acalmá-la dizendo que não preciso de um novo equipamento para ver televisão do jeito que o faço... zapeando. Mas ela não confia em mim. Maquininha de boa memória, sabe as horas de uso que a obriguei cumprir. Sabe que este desdém pela televisão é falso e que no fundo sou viciada.
Minha velha Telefunken pressente seu fim. Julga que o verde-e-rosa da Mangueira já é demais para ela. Argumento que na hora em que Chico passava na avenida o que me irritou não foi seu tom desbotado, mas a descarada torcida dos comentaristas da Manchete.
Qual o quê!? Ela segue lastimando não ter podido me oferecer a implosão do condomínio Palace II em todas suas nuanças. Mais uma vez saio em sua defesa e explico que naquela instante mudei de canal por não suportar ver tanta "preocupação" da Globo em desmascarar o deputado Sérgio Naya. Irritou-me não o embaçado de sua imagem, mas ver que todas aquelas fitas e vídeos já estavam gravados, aguardando apenas a morte de pessoas para virem à tona.
Coitada da TV. Entristecida por saber, mais do que eu, que sua aposentadoria chega. Não percebe que para ela será um descanso. Eu sim continuarei sofrendo, vítima de um vício de raras contrapartidas.