Com o episódio Tropa de Elite, de uma hora para outra o país resolveu debater a pirataria, assunto que antes era muito pontual. Até os amigos trazem o tema à tona, manifestando seu amor às artes comprando ingressos para ver o filme mesmo que já o tenham assistido em cópia pirata. Culpa cristã, diria eu. Neste campo tenho ouvido coisas interessantes: "ah, piratear filme nacional é sacanagem. Os outros tudo bem". Como assim? Roubar do Walter Salles não pode, roubar do Lars Von Trier ok?
Entendi... é a mesma lógica que levou centenas de brasileiros a acusarem Luciano Hulk por usar um Rolex, o que num país com tantas mazelas sociais justificaria o roubo do adereço. Roubar de rico tudo bem, seja um filme ou um Rolex.
Esta mesma lógica explica que se pirateie Windows. "Ah, é muito caro", "monopólio" etc. E pior, que até se institucionalize a pirataria, como aconteceu com os medicamentos genéricos. Por uma "boa causa" a propriedade intelectual dos laboratórios, que investem milhões em pesquisas foi totalmente jogada para o lixo. E como todos acham isso correto, posso fazer a seguinte ilação: a propriedade intelectual de uma indústria vale menos que a de um cineasta, cantor ou de qualquer outro artista que tenha seu trabalho distribuido de forma "alternativa". Mais uma vez a defesa do coitadinho.
Para ambos, artistas e grandes indústrias, continuarem criando e desenvolvendo novos produtos, é preciso dinheiro. E sinceramente, sai mais barato fazer uma música do que chegar à fórmula do Arcoxia, remédio que revolucionou o tratamento da artrose e que garante qualidade de vida a milhões de pessoas no mundo inteiro. "Ah, mas o músico é coitadinho". Tá bom.
Pirataria de qualquer coisa, por enquanto, é roubo sim, não importa a motivação. Mas, e há sem muitos "mases" em tudo nesta vida, há coisas que são inexoráveis. A indústria que hoje reclama da pirataria de filmes e música, por exemplo, não é ela mesma a responsável pela criação dos elementos que formam o cenário perfeito para as supostas falcatruas? Sempre cito estes dois exemplos a Sony e o tal do valor agregado dos marqueteiros.
A Sony produz aparelhos de gravação de CDs e DVDs. Produz tocadores de MP3 também. Paradoxalmente, a Sony é também gravadora-produtora de músicas, filmes e seriados que, por certo, não gosta de ver copiados. Fica uma coisa bem esquizofrênica. "Olha, compra aqui meu gravador mas, por favor, só o use com os produtos dos outros, tá. Com o meu não".
Já os marqueteiros, não são eles mesmos que dizem que hoje em dia todos os produtos são iguais e que o que faz a diferença entre um e outro é o valor agregado e a percepção que o consumidor tem deles? E que por isso investem tanto em construção da marca, o tal branding? Oras, se são tão conhecedores da natureza humana para criarem marcas tão cobiçáveis... como não imaginar que as pessoas matarão por aquilo? Há algo de hipócrita no ar.
Concordar ou não com a pirataria, e defesa para um ou outro sempre há, é portanto, ao meu ver, irrelevante. Não há como conter seu avanço a não ser através da mudança dos modelos de cada um dos negócios reclamadamente prejudicados.
A industria da música já definiu que as gravadoras virarão agentes de shows e que os músicos vão ganhar dinheiro em espetáculos, já que não há como conter a distribuição de seus registros (gravações) na internet. A indústria do software tem a alternativa Linux e mesmo a Microsoft começa a perceber que não há como conter o avanço da pirataria enquanto não baixar os preços. Na Tailândia (??) já existe uma versão Windows bem mais barata e por aqui o Office para estudantes virou Office "doméstico", com direito de uso em 3 computadores a menos de R$ 400. Parece que em breve rodará diretamente na net, como já faz o Google com uma suíte de escritório muito eficiente.
O setor de vestuário se vira lançando novas modas em ritmo frenético. O tênis Puma de outubro é bem diferente do de julho, o que deixa evidente que aquele modelo "ultrapassado" só pode ser de camelô. Os grandes laboratórios não sei o que fazem. Investem em marca e se custeiam cada um com sua meia dúzia de produtos top of mind, suponho.
A TV... bem... sugiro que Warner, Sony, HBO e afins passem a transmitir seus programas simultaneamente em todo mundo. Do jeito que está é duro combater a pirataria. Na última segunda-feira o Showtime tramsmitiu para os Estados Unidos o 11º episódio da terceira temporada do seriado Weeds. No Brasil está anunciado o início da mesma temporada somente em novembro. Detalhe, no dia seguinte à transmissão norte-americana o episódio já estava na net. E dois dias depois estava na net com legendas. Nem a Herbert Richards é tão eficiente.
Concluindo, não basta apelar para a consciência do público para conter a pirataria. É preciso adequar-se a ela quando não houver jeito, e superá-la, quando ainda for possível, com qualidade, agilidade e preço.
Luta árdua, pois. E seguramente mais de inteligência e estratégia do que policialesca.