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Entre a cruz e a espada

A política do salve-se quem puder venceu. Institucionalizamos o suborno, o calote, o desrespeito e a safadeza.


Compra de votos é coisa antiga, novidade alguma nisso. Cresci ouvindo histórias de políticos que distribuiam botinas em troca de mandatos. Davam um pé antes da eleição e outro depois, caso eleitos. Havia toda uma técnica para marcar as cédulas e identificar o eleitor. Sei lá como isso funcionava mas sabe-se que funcionava.


Em uma das primeiras eleições pós-ditadura, no interior do Paraná, lembro da Justiça Eleitoral apreendendo um caminhão de sacolinhas com gêneros alimentícios, saídas de um depósito para distribuição a eleitores pobres. Claro que junto seguiam santinhos-cola do generoso candidato.


Material de construção, óculos... uma série de itens formava o leque de regalitos com os quais candidatos garantiam, ou não, suas eleições. E por mais que isso enojasse espíritos limpos e democráticos, reconheçamos... era nada perto do que vemos hoje.


Estes atos eram feitos na surdina. O caminhão das sacolinhas, por exemplo, foi apreendido na madrugada que antecedeu o pleito. Hoje não. A safadeza está institucionalizada e faz parte do planejamento da família brasileira.


O que é este Bolsa Família se não uma compra de votos descarada, paga mensal e antecipadamente? Podem chamar como quiserem, mas pra mim é isso mesmo. Repito: safadeza institucionalizada.


Mas não sou daquelas que vêm os políticos como demônios ou ETs que pousaram no Brasil para pilhar nosso patrimônio. Antes disso, acho que são brasileiros pinçados da nossa sociedade e alçados ao poder por nós mesmos. Nos retratam e representam. São a nossa cara e nosso caráter.


Porque convenhamos... a sacanagem (perdão) está em tudo quanto é lugar. Nos cerca desde que acordamos até o último piscar do dia. A gente que se acostumou e não dá mais bola.


Cedo toca o telefone, a cobrar, e é um cretino tentando fazer com que eu caia no golpe do acidente de um parente, golpe este que costuma terminar em pedido de resgate de um suposto sequestrado, dependendo do grau de desinformação do receptor.


Tomo meu café e vou aos Correios despachar correspondência. Estaciono na frente do prédio e já salta um cara que faz meu carro refém em troca de uns trocados (chamamos a isso "flanelinha"). Como sempre vou ao Correio, fico com medo e... pago.


No trabalho, orço um ou outro impresso, e invariavelmente a pergunta: "com ou sem seus 20%"? É a gráfica querendo me dar uma graninha para eu fazer com eles um trabalho pelo qual já recebo do meu cliente. O popular "toco".


Hora do almoço... passo no mercado e vejo uma senhora velhinha, aparentemente respeitável, esperar na fila com um cestinho de compras. Escolho justamente esta fila por achar que andará mais rápido. É quando a filha da respeitável senhora chega com carrinho repleto, para meu desespero. Fui iludida! A velhota tinha toda uma estratégia para se dar bem, pouco importando se a otária aqui seria penalizada ou não.


Volto ao trabalho e tento mais uma vez cobrar aquela antiga cliente que me deve e que, coitada, está tão sem dinheiro para me pagar. Claro... como vai me pagar se precisa morar em um casarão no bairro mais chique da cidade, andar em um carrão importado, vestir as mais caras grifes e ainda por cima pagar sua última ida a New York? Eu que sou gananciosa.


Fim do expediente e um pequeno engarrafamento numa avenida. Obras afunilam o tráfego. Passa voando ao meu lado um carro conduzido por um tipo que acredita que o tempo dele vale mais do que o de qualquer outra pessoa. Passa na frente de uns 20 carros que aguardam pacientemente na fila e, bem no gargalo da obra, força a entrada na frente de todos. Esperto ele. Só isso. Não é um mau caráter.


Visito uma amiga e ela me conta que a imagem da sua TV a cabo estava ruim e que chamou o técnico da companhia para reparar o problema. Só que o técnico detectou um "gato" no instalação. Que bom... seu vizinho é um cara econômico e gosta de socializar os bens. Dos outros, registre-se.


Este é um dia comum. Como outro qualquer. Depois de tudo isso ligo a televisão para assistir o telejornal e vou me surpreender com o quê? Com os sanguessugas? O mensalão? O policial que roubou o som do carro? O pai que matou 3 filhos? A sogra que levou ao extremo o folclore da relação e mandou matar a nora? Com Tevez dando exemplo supremo de "profissionalismo"?


Vou me surpreender com o Bolsa Família ganhando espaço no programa de governo do candidato da oposição? Está lá! Ele diz: "em meu governo não só manterei o Bolsa Família como o ampliarei".


Traduzindo: votem em mim que vou pagar mais. E assim ficamos, entre a cruz e a espada, achando tudo normal.