Hoje, em seu caderno Equilíbrio, a Folha de São Paulo publicou artigo da psicóloga Anna Verônica Mautner no qual ela fala sobre nossa incapacidade de receber críticas e sobre como "criticar, desaprovar e apontar diferenças viraram tabu". Denuncia a psicóloga que nos tornamos seres açucarados que desmancham a qualquer chuvinha. Ou seja, desmontamos a qualquer crítica ou comentário não positivo, digamos assim.
Entendo o que ela quer dizer mas olho de forma mais ampla. É claro que um amigo apontar que estamos com a blusa virada do avesso em uma reunião de trabalho ou festa é uma coisa. Apontar pontos que possam ser eletivos e não acidentais, é bem outra.
É comum considerar franqueza aquilo que é simplesmente grossura. Olhar na cara de uma pessoa e dizer: "nossa, como você engordou" pode ser verdadeiro e franco... mas é de uma grossura abissal. Observar que nossa roupa marrom e verde não combina só vale se isso for questionado, caso contrário é estúpido.
Na casa dos meus pais esteve hospedada, através do intercâmbio do Rotary Internacional, a russa Olga Popova. Olga, imagino que por questões culturais, não mentia. Jamais. Meu pai bem que tentou ensinar a ela os conceitos básicos da hipocrisia social, em vão. Se minha mãe fazia um prato diferente e do qual, como sempre, se orgulhava, Olga comia e, se não tivesse gostado, lascava: "não gostei. É ruim". Conseguiu, por estas e por outras, que minha mãe desenvolvesse verdadeiro asco por ela e por todos os russos que porventura tenham a péssima idéia de passar pela frente da casa da minha família para sempre.
Ela não conhecia a hipocrisia social e sequer teve a sensibilidade de observar que uma das maiores vaidades da minha mãe é seu reconhecido talento culinário. E menos ainda teve a grandeza de reconhecer que há formas e forma de dizer uma mesma coisa.
No ano passado uma amiga ficou um mês inteiro perguntando o que eu queria como presente de aniversário. Eu não dizia pois para mim ela poderia comprar qualquer coisa que achasse legal. Mas tanto insistiu que eu mostrei o que gostaria de receber. Ela olhou e pimba: "nossa, que feio". Perguntou pra quê mesmo?
Foi franca, sei.
Há que se ter cuidado com as palavras. Casar sujeito, verbo e predicado é difícil mesmo.
E dar aos fatos a denominação correta é uma arte. No mesmo texto da psicóloga, por exemplo, não concordo quando diz que o acidente da TAM seria fruto desta nossa adquirida complacência. Os olhares que ela qualifica como complacentes por terem deixado passar vários enganos em Congonhas são para mim apenas negligentes. Muito diferente.
Às palavras seu real significado. Franqueza não é grossura. Negligência difere de complacência.
E com certeza eu não sou de açúcar.