Tenho uma casa em um balneário que só é conhecido pela meia dúzia de pessoas que, como eu, ali têm uma casa. É um lugar ermo, mas quando falo isso não pensem se tratar de uma Caraívas de vinte anos atrás. Está próximo demais da muvuca para assim ser confundido, além de faltar ao lugar atributos típicos do que se convencionou ser um paraíso tropical. Por ser assim, um meio termo entre o bruto e o embrutecedor, não tem uma personalidade cativante para a maioria das pessoas. Quem gosta de movimento, não aprecia. Quem gosta de praias selvagens, não se satisfaz. Isso faz com que, a meus olhos, esta praia tenha cores especiais. Com sua falta de carisma mundano ou natureba, livrei-me da turma das baladas e da galera do luau da lua cheia. Magnífico! É um lugar para pessoas que conseguem lidar com elas mesmas. Almas atormentadas, carentes ou solitárias estariam a um passo do suicídio se ali permanecessem por mais de uma semana, sobretudo com chuva. Tampouco é lugar para exibicionistas, que não conseguem viver a simplicidade da absoluta falta de glamour, griffe ou status. Nunca li em colunas sociais que fulano foi passar as férias naquele canto da orla. Canto da orla, aliás, é força de expressão. Não é um lindo mar de enseadas, é reto como a falta de curvas da modelo anoréxica. Estar ali é quase o vazio, o nada. É alimentar-se apenas do que temos dentro de nós. É viver um dia após o outro sem conseguir esconder a forma como captamos e processamos o pouco que vêm de fora. Não há pra onde fugir e - se não controlarmos a neurose - o mosquito de final de tarde deixa de ser apenas isso para virar um exército imbuído do propósito único de nos infernizar. O carro, que entra por engano na rua sem saída, pareceria agir com o intuito impar de tirar nosso sossego, mancomunado com o vizinho inconveniente. Não... aquele lugar é para poucos. Nem aqueles que vão até esta casa por absoluta falta de opção para um veraneio melhorzinho conseguem permanecer por mais tempo mantendo o astral em nível aceitável para uma coexistência prazerosa. É uma praia e uma casa para quem tolera. Melhor ainda, é uma praia e uma casa para quem ama. A si e a quem o acompanha.
Alma limpa
Tenho uma casa em um balneário que está longe de ser confundido com aquilo que convencionamos chamar "paraíso tropical".