Sábado à noite dirijo-me à casa de amigos que, em consideração a minha árdua tarefa de escrever semanalmente aqui no Baguete, aceitam assistir Criança Esperança comigo. Prova de amizade maior não existe, já que nenhum pertence aos grupos de fãs de pagode, axé ou sertanejo. Não mexem as cadeiras com Vinny e muito menos têm idade para gostar de Sandy & Júnior ou Xuxa.
O grupo reunia três jornalistas e algumas crianças. Uma delas, de dez anos, fez o melhor comentário da noite: "ptz... você não gostam de nada"? Resume o que foi a maratona de apresentações.
Até entendo a escolha do mix de artistas. Se a intenção da emissora era atrair público, sem dúvida ali estavam reunidos os maiores discos de ouro do país. Mas o tiro parece ter saído pela culatra.
No meio do show, a Globo - que todo ano repassa o dinheiro arrecadado durante a campanha Criança Esperança para obras apoiadas pela Unicef - comemorava os milhões e meio obtidos até então. No meio da semana falava em 3,5 milhões de reais arrecadados.
Então porque o tiro teria saído pela culatra? Simples. 3,5 milhões na minha conta (aceito doações), me faria um bem enorme. Aposentadoria em vida. Seria fantástico. Mas 3,5 milhões para quem levou ao ar um programa que reunia os maiores vendedores de CDs e shows do país... é nada. Tanto a Globo sabe disso que prorrogou o prazo para doações.
E não me venham as patrulhas. Quando digo que é nada, refiro-me ao potencial desperdiçado. Sei muito bem que "ao menos fizeram", "3,5 milhões são melhores que milhão algum", etc etc etc...
Como parto da premissa de que o Criança Esperança deste ano rendeu muito menos do que poderia, é fundamental, também, que apresente os motivos que me levam a acreditar nisso.
1. Os artistas convidados não representam qualquer envolvimento com as causas dos desvalidos. Com exceção de Xuxa, que mantém uma Fundação, a imagem daqueles artistas não têm link com trabalhos sociais. E mesmo Xuxa, num discurso de doida varrida, não conseguiu passar qualquer motivação, preferindo falar de Sasha... como se o programa fosse dela. E falando em artistas... onde estava Daniela Mercury, embaixadora da Unicef ao lado de Renato Aragão? Não foi ou não foram com ela?
2. O programa parecia ter mais audiência quando era aquela verdadeira maratona de final de semana. O horário escolhido, sábado à noite, não é lá muito convidativo. Terminou tarde demais, quando considerável parcela do público já saía para a noite ou dormia.
3. Faltaram também imagens das obras beneficiadas por campanhas anteriores. O público gosta de ver o que é feito de seu dinheiro e, provavelmente, se mobilizaria mais com pequenas reportagens intercalando as apresentações.
4. A Leilane no estúdio, dando os resultados parciais, era o quadro do desânimo. Nesta hora, em que era necessária uma personalidade mais mobilizadora, o mala do Galvão Bueno teria feito melhor serviço. Talvez tenha faltado Betinho também, mas isto é culpa dos laboratórios irresponsáveis...
Agora apelo para uma comparação mais mercantilista. Ainda que um programa de caráter social não possa ser analisado intrinsecamente sob este aspecto, canalhamente insisto. Vou considerar que os artistas que ali se apresentaram não receberam cachê. Mas o cenário, digno de entrega de Oscar, imagino que não tenha saído de graça. Iluminação, figurinos, som, corpo de baile, palco, local e tudo mais que um megashow exige... idem. O resultado do sábado à noite, cerca de 1 milhão e meio, não paga o investimento. Teria saído bem mais barato para a Globo fazer um cheque neste valor e chamadas para a campanha durante a programação normal. Mas aí não subiria alguns pontos em seu "Ibope" institucional e o sábado teria sido mais um daqueles com os filmes normais.
Talvez seus espaços publicitários tenham sofrido alguma valorização nesta noite excepcional, algo que estou apenas supondo, e então os custos estariam divididos entre a publicidade vendida e o reforço de uma boa imagem.
Mas isto não conta no momento em que o país se abraça para mais um Criança Esperança e é apenas fruto de minha tendência a desconfiar de tudo.