Apesar de ter no nome uma referência ao livro 1984, de George Orwell, para mim Big Brother está muito mais relacionado a uma outra obra. O que mais me chama a atenção neste tipo de programa (Big Brother, Casa dos Artistas, No Limite...) não é a existência de lentes e microfones permanentemente ligados, mas a submissão de alguns (escolhidos entre milhares de candidatos) a este exibicionismo pós-moderno. Penso que, neste sentido, estes shows estão muito mais para Ironweed, de William Kennedy, que para 1984.
Ironweed, magistralmente levado às telas por Hector Babenco (com Meryl Streep e Jack Nicholson), nos remete aos tempos da Grande Depressão norte-americana. No livro, e no filme, pessoas sem esperanças e expectativas se submetem a um desumano torneio de danças no qual o prêmio ficará para o casal que mais tempo se agüentar em pé.
A semelhança que encontro não está na riqueza dos personagens. Em Ironweed os personagens, materialmente miseráveis e psicologicamente desgraçados, se extenuam em busca de dinheiro e redenção. Em Big Brother os personagens se expõem por dinheiro e glória. Mais por glória, acredito. Materialmente não são miseráveis e, sob o aspecto psicológico, estão longe de ter uma humanidade literariamente desgraçada. São patéticos ou medíocres em suas exposições, quando muito.
Se em 1984 a vigilância do Grande Irmão é obra do stalinismo, em Ironweed a manipulação da miséria humana é absolutamente capitalista. É neste ponto que reside minha teoria que aproxima Big Brother a Ironweed, mais que ao livro de Orwell. Com adaptações, é claro. A Globo não colocaria no ar personagens tão ricos quanto Francis Phelan e Helen. Feios, sujos, desdentados e amargurados, são reais demais para adentrarem o lar dos telespectadores. O sofrimento deles é profundo e substanciado. Indigesto, pois.
Não... isto seria demais para nossos estômagos. Melhor jogar em nossos lares um bando de gente comum. Daquelas que, como apregoou Caetano Veloso, de perto não são normais... mas são conhecidas. Tipos previsíveis. Ambiciosos, maldosos, amigáveis desde que não lhe tentemos tomar o lugar ou que se sintam ameaçados, invejosos, sexuados, comezinhos. Pequenos, enfim. Como a maioria de nós.
Ainda assim, como em Ironweed o grupo de Big Brother luta para sair do esquecimento, abandonando suas pequenas ou grandes misérias (ao mesmo tempo em que as evidenciam).
E o público... ah, o público! Parte não gosta de tanta mesquinharia exposta, parte não tolera egos tão primitivos e parte aprecia tudo isto.
Quanto a mim... eu já agüento o gerente do banco, o síndico do prédio, a telefonista, o porteiro, os colegas de trabalho, os amigos, eu mesma... Por distração prefiro Francis e Helen, que ao menos me levam a um mundo desconhecido.