Há no mundo uma espécie em real risco de extinção e sem qualquer ONG que a defenda. Refiro-me aos sobreviventes da pós-utopia do socialismo. Um monte de gente que anda por aí sem saber lidar com as exigências do hegemônico mundo neo-liberal. Gente inteligente, capaz, sensível... mas que não consegue sobreviver fora de um sistema de mecenato estatizante.
Não me penalizo com usineiros nordestinos e nem com as viúvas da Embrafilme. Não é sobre gente desta natureza que escrevo. Penso naqueles meninos barbudinhos e encapotados que devoravam todos os livros que caiam em suas mãos... que acumulavam montanhas de recortes dos suplementos culturais...que liam os Cadernos do Terceiro Mundo... que assistiam ciclos completos de cinema alemão... e que sonhavam com uma vida literária ancorada em um bom e estável emprego (público ou não).
Muitos deles estão andando por aí. Continuam andando por aí. Vejam o exemplo do meu amigo (há mais de 20 anos) Zezinho, exposto em artigo do Foguinho no fanzine Não. Zezinho é um destes tipos, mas não está sozinho. Não é o único a conseguir assobiar a Internacional Socialista nos dias que seguem... mas é um dos que não conseguiu, ou não quis, perceber que os novos tempos exigiam outro tipo de conhecimento, algo pouco afinado ao que aprendeu nos ciclos do Instituto Goethe.
Não são burros, não são ineptos, nada disso. Entendem muito bem o mundo moderno e conhecem a história como poucos. São capazes de discorrer sobre todas etapas do capitalismo... da Revolução Industrial à era das corporações. Apenas não tem capacidade de converter trabalho em resultado, algo que nos tempos de empregos estáveis era desnecessário.
São vítimas de uma era que se foi e não têm a quem recorrer. Tarde demais para aprender. Talvez a única chance de sobrevivência para eles seja um pedido de indenização. Mas a quem?
Talvez ao Instituto Goethe... aos donos do extinto Folhetim... aos intelectuais da Escola de Frankfurt...
Ou então aos vencedores, já que são sobreviventes de uma guerra, por mais fria que fosse.